domingo, janeiro 07, 2007

225 anos do Martinho da Arcada



E para celebrar estes 225 do café mais velhinho de Lisboa, que já conquistou um lugar no coração de cada um de nós, nada como colocar aqui um poema do seu mais notório cliente, de entre tantos outros , qui çá 'igualmente notórios', anónimos ou não...
Foi uma bonita celebração, com muitos políticos, VIP's e colunáveis, a que hoje por lá decorreu. Até o Presidente foi até lá, relembrar memórias da juventude. Quer sejamos 'fãs' do senhor ou não, foi a vontade popular e, o povo é soberano... Respeite-se o povo e o Presidente!
Mas voltando à homenagem ao Martinho ' e ao 'seu poeta', por quem tenho grande admiração(pela sua vasta e magnífica obra) e assídua leitora. Escolhi um poema muito especial que não sendo o ex-líbris ' do autor, 'não sendo' (talvez) o seu melhor, correndo o risco de me julgarem por apesar do que digo aqui, colocar na mesma este poema, considero ser uma obra prima. Implacável para muitos que gostas de focar o lado 'íntimo' do poeta... Há quem tenha dito que alguém que não ama, ou tenha amado, uma mulher, jamais escreverá assim. Não ama porquê (em vez de amou)? Porque a literatura é imortal. O homem, Fernando, esse já se foi, mas o seu legado é eterno! Certamente amou uma e muitas mulheres, não tendo que necessariamente ser no sentido heterossexual da paixão. Há quem diga que o pensou acerca de um homem e transpôs... A mim, tudo isso me é indiferente!
O que importa é o poema, é a obra... Aqui fica, especialmente dedicado ao 'Martinho da Arcada':

'A Outra


AMAMOS sempre no que temos
O que não temos quando amamos.
O barco pára, largo os remos
E, um a outro, as mãos nos damos.
A quem dou as mãos?
À Outra.

Teus beijos são de mel de boca,
São os que sempre pensei dar,
E agora e minha boca toca
A boca que eu sonhei beijar.
De quem é a boca?
Da Outra.

Os remos já caíram na água,
O barco faz o que a água quer.
Meus braços vingam minha mágoa
No abraço que enfim podem ter.
Quem abraço?
A Outra.

Bem sei, és bela, és quem desejei...
Não deixe a vida que eu deseje
Mais que o que pode ser teu beijo
E poder ser eu que te beije.
Beijo, e em quem penso?
Na Outra.

Os remos vão perdidos já,
O barco vai não sei para onde.
Que fresco o teu sorriso está,
Ah, meu amor, e o que ele esconde!
Que é do sorriso
Da Outra?

Ah, talvez, mortos ambos nós,
Num outro rio sem lugar
Em outro barco outra vez sós
Possamos nos recomeçar
Que talvez sejas
A Outra.

Mas não, nem onde essa paisagem
É sob eterna luz eterna
Te acharei mais que alguém na viagem
Que amei com ansiedade terna
Por ser parecida
Com a Outra.

Ah, por ora, idos remo e rumo,
Dá-me as mãos, a boca, o ter ser.
Façamos desta hora um resumo
Do que não poderemos ter.
Nesta hora, a única,
Sê a Outra.'

in 'Cancioneiro', Fernando Pessoa

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