sexta-feira, maio 11, 2007

Ignoto Deo

Num raro momento de beleza o Veneno vem em paz! Que raridade, às vezes nem pelo Natal pensa o caro leitor ou amigo... Lá se confirma o que o povo diz e o povo é sábio, "Natal é sempre que um Homem quiser"!

Lembrei-me hoje de um poema muito querido e muito especial, de um dos nossos grandes autores, que além de muito profundo e demasiado intenso para ser apreendido às primeiras, me marcou particularmente por ter recebido sido louvada a minha escolha, quando um dia trabalhei este autor. Antes de citar o poema e revelar o autor, aqui deixo uma frase do Professor que tanto ensinou desta nossa língua de Camões: "Meu irmão, passa de lado que eu sei como hei-de passar"; é uma brilhante síntese da vida! É de um autor que de momento não me recordo, mas lembro-me destas palavras. Eventualmente alguém já terá identificado o Professor em questão e estará neste momento a rir para si e a pensar que era de facto, uma grande pessoa.

O autor? É verdade, já só o ía citar no final do poema, mas entretanto aqui fica o nome: Almeida Garrett. É de facto um dos grandes da literatura portuguesa. E o poema... Vamos a ele:

Ignoto Deo

Creio em ti, Deus: a fé viva

De minha alma a ti se eleva.

És - o que és não sei. Deriva

Meu ser do teu: luz... e treva,

Em que - indistintas! - se envolve

Este espírito agitado,

De ti vem, a ti devolve,

O Nada, a que foi roubado

Pelo sopro criador

Tudo mais, o há-de tragar.

Só vive de eterno ardor

O que está sempre a aspirar

Ao infinito donde veio.

Beleza és tu, luz és tu,

Verdade és tu só. Não creio

Senão em ti; a olho nu

Do homem não vê na terra

Mais que a dúvida, a incerteza,

A forma que engana e erra.

Essência!, a real beleza,

O puro amor - o prazer

Que não fatiga e não gasta...

Só por ti os pode ver

O que inspirado se afasta,

Ignoto Deo, das ronceiras,

Vulgares turbas: despidos

Das coisas vãs e grosseiras

Sua alma, razão, sentidos,

A ti se dão, em ti vida,

E por ti vida têm. Eu, consagrado,

A teu altar, me prostro e a combatida

Existência aqui ponho, aqui votado

Fica este livro - confissão sincera

Da alma que a ti voou e em ti só 'spera.

Garrett, Almeida in "Folhas Caídas"

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