Num raro momento de beleza o Veneno vem em paz! Que raridade, às vezes nem pelo Natal pensa o caro leitor ou amigo... Lá se confirma o que o povo diz e o povo é sábio, "Natal é sempre que um Homem quiser"!
Lembrei-me hoje de um poema muito querido e muito especial, de um dos nossos grandes autores, que além de muito profundo e demasiado intenso para ser apreendido às primeiras, me marcou particularmente por ter recebido sido louvada a minha escolha, quando um dia trabalhei este autor. Antes de citar o poema e revelar o autor, aqui deixo uma frase do Professor que tanto ensinou desta nossa língua de Camões: "Meu irmão, passa de lado que eu sei como hei-de passar"; é uma brilhante síntese da vida! É de um autor que de momento não me recordo, mas lembro-me destas palavras. Eventualmente alguém já terá identificado o Professor em questão e estará neste momento a rir para si e a pensar que era de facto, uma grande pessoa.
O autor? É verdade, já só o ía citar no final do poema, mas entretanto aqui fica o nome: Almeida Garrett. É de facto um dos grandes da literatura portuguesa. E o poema... Vamos a ele:
Ignoto Deo
Creio em ti, Deus: a fé viva
De minha alma a ti se eleva.
És - o que és não sei. Deriva
Meu ser do teu: luz... e treva,
Em que - indistintas! - se envolve
Este espírito agitado,
De ti vem, a ti devolve,
O Nada, a que foi roubado
Pelo sopro criador
Tudo mais, o há-de tragar.
Só vive de eterno ardor
O que está sempre a aspirar
Ao infinito donde veio.
Beleza és tu, luz és tu,
Verdade és tu só. Não creio
Senão em ti; a olho nu
Do homem não vê na terra
Mais que a dúvida, a incerteza,
A forma que engana e erra.
Essência!, a real beleza,
O puro amor - o prazer
Que não fatiga e não gasta...
Só por ti os pode ver
O que inspirado se afasta,
Ignoto Deo, das ronceiras,
Vulgares turbas: despidos
Das coisas vãs e grosseiras
Sua alma, razão, sentidos,
A ti se dão, em ti vida,
E por ti vida têm. Eu, consagrado,
A teu altar, me prostro e a combatida
Existência aqui ponho, aqui votado
Fica este livro - confissão sincera
Da alma que a ti voou e em ti só 'spera.
Garrett, Almeida in "Folhas Caídas"
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